Maio de 1979
"Nem sempre o que deixa de existir deixa de estar. Às vezes, deixar de
existir é apenas outra forma de estar. É como a chuva. Ao parar de
chover, a chuva deixa de existir como chuva, mas a sua água infiltrou-se
nos campos e regou as flores e juntou-se ao leito dos rios como memória
da chuva que um dia será novamente. Nem sempre o que deixa de existir
deixa de estar. O corpo das coisas que habitam o mundo pode morrer e
pode desaparecer da nossa vista, mas nunca morrerá aquilo que
nos habita e o coração não precisa de ver para crer. Deixar de existir
não é deixar de estar presente. Há coisas e pessoas que foram e que
nunca deixarão de ser. Mesmo que os seus passos deixem de se ouvir e que
o seu olhar deixe de cair sobre o nosso como a chuva quando chega o
tempo de parar de cair, já o som desses passos e a luz desse olhar se
infiltraram em nós e somos nós esse leito de que o nosso amor é feito.
Não faz mal que a chuva deixe de ser chuva quando permanece naquilo que
regou. "
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